A Sinfonia
- Ana Valente
- 11 de nov. de 2018
- 3 min de leitura
A sala está cheia. O burburinho aumenta à medida que o tempo passa.
Pais orgulhosos, de máquinas fotográficas nas mãos, a escolher aquele que consideram ser o melhor lugar para assistir à audição. Pais, avós e irmãos. Nesta sexta-feira à noite, fria de outono, não falta ninguém.
O Dimas confirma os microfones e faz os últimos testes na mesa de som. No palco, a Cila ajeita as cadeiras, que estão em frente aos teclados e ajeita as pedaleiras, ao lado das guitarras. À porta, a Dalila recebe quem entra e espera o sinal dos irmãos.
Os artistas estão nervosos, juntos numa das salas de aula, do primeiro andar. Uns de partituras nas mãos, em silêncio sentados nas pequenas cadeiras brancas, outros estão a aquecer a voz, com os exercícios do costume.
De repente, a porta abre-se. “Está na hora”, diz a Dalila. Impõe-se o sentido de responsabilidade.
Descem todos, em fila, em silêncio e em processo de concentração. Os nervos fazem doer a barriga. Na frente, os mais pequenos, depois os mais crescidos e, no final, os jovens, os mais velhos. Tudo alinhado, conforme combinado.
Destino: o palco. Alinham-se de frente para o público, de costas para a parede dos espelhos. Os olhares prendem-se nas gravuras (altas, quase no teto) da orquestra. Figuras antigas, em tons de castanho, imponentes. Sempre lá.
Cada está no lugar certo. Ao lado, no piano, está a Dalila. Toca as primeiras notas e os alunos começam a cantar. É o Hino da Alegria, durante quase cinco minutos.
Termina a canção, ouvem-se palmas, muitas palmas. Os sorrisos preenchem a face de cada um deles, já descontraídos, que tentam, em bicos de pés, ver onde estão os pais e acenam de forma entusiasmada. Depois, saem do palco e sentam-se nas cadeiras de madeira que estão nas primeiras duas filas. A partir desse momento, seguem-se duas horas de música.
Um a um.
Cada um mostra a sua própria evolução. Mostra o resultado do treino das semanas anteriores e o que aprende nas duas ou mais aulas que tem por semana, quase sempre ao final da tarde, depois de sair da escola, e até, aos sábados de manhã. Uns no órgão, outros no piano, outros na guitarra. Ainda mais uns quantos no saxofone ou no clarinete. E outros tantos instrumentos.
Frequentei a Escola de Música da Sinfonia durante mais de 15 anos, com os irmãos Vicente. E como eu, tantos, mas tantos, passaram por lá.
Na montra estão baterias, guitarras e teclados. Ao lado, está a entrada da loja, o acesso ao corredor. Comprido. De um lado, espelhos, do outro, os vidros que permitem ver o resto do material à venda na loja. Livros, cordas, pedais, cabos, auscultadores, amplificadores, flautas (aquelas de capa verde, que usamos nas aulas de educação musical na escola), cadernos. Tudo. Difícil (já) de enumerar a esta distância.
Ao fundo, um cruzamento. De um lado, as escadas para as salas no primeiro andar. Do outro, a porta de correr que dava acesso ao mítico espaço onde mostrávamos, várias vezes, durante o ano, as nossas habilidades. Onde os pais, orgulhosos, de máquinas fotográficas nas mãos, escolhiam aquele que consideravam ser o melhor lugar para assistir à audição.
Alcobaça é uma terra de artistas.
Os dos tempos livres, nas atividades extracurriculares. Os que começaram nos tempos livres e que se transformaram em artistas de profissão.
Os artistas. Ponto final. Todos os que fazem parte deste processo complexo e que exige resiliência. Todos os intervenientes, que cumprem os diversos papéis, com maior ou menor sacrifício das vidas pessoais e familiares. Todos: os que ensinam, os que estimulam, os que pensam e desenvolvem iniciativas, os que agregam, os que lutam por um sonho, os que aprendem, os que treinam, os que não desistem, os que regressam depois de se terem afastado, os que assistem, as famílias que acompanham e os que promovem.
A Sinfonia é apenas um dos muitos exemplos de academias, escolas e projetos (mais ou menos profissionais, de maior ou menor dimensão - muitos feitos apenas de boa-vontade) que, não só em Alcobaça, mas também nas aldeias de todas as freguesias do concelho, formam e encaminham “gente” com qualidade e habilidade. O verdadeiro ponto de partida, para resultados grandiosos.
Bandas, orquestras, coros … e muitos mais. Há deles, projetos individuais ou de grupo, que atravessam as fronteiras da região e do país. De variadas inspirações musicais e gostos.
E aqui, em Alcobaça, há lugar para todos.
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