O concerto
- Ana Valente
- 13 de jan. de 2019
- 3 min de leitura
Escola D. Pedro I. Alcobaça. Dez da noite.
Quando chego, a cantina, convertida em sala de espetáculos, está vazia. Sem ninguém, quero dizer. Mas está cheia de cadeiras. Conto-as em poucos instantes. Não sou grande coisa para contas, mas a minha estimativa aponta para umas 50. Só de pensar neste número fico ainda mais nervosa.
No lado oposto às cadeiras, numa das paredes, estão pendurados uns panos pretos. Em frente estão vários bancos, pelo menos dois são de pé alto, várias colunas de som e pedaleiras, uma bateria, duas guitarras clássicas, vários microfones e muitos cabos. É ali que eu vou atuar.
Quando chego, só de apreciar o cenário, arrependo-me logo de me ter inscrito.
Sento-me na primeira cadeira que está junto à porta. Está frio. Mas eu tremo de nervos. “Traulito” a canção durante uns quinze minutos. Repito várias vezes o tema, portanto. Baixinho. Eu sei a letra de cor, mas naqueles instantes, e para ganhar confiança, tenho de ter certeza que nenhuma palavra falha.
A professora Maria da Luz é a primeira a chegar. Desperta-me daquele processo de concentração, com um toque no ombro e um beijo na testa. Quando olho para ela só reparo naquele sorriso delicado que me tranquiliza.
Depois, chega a professora Maria José. Outro beijo reconfortante. Depois, entra o professor Pedro e mais outro e mais outra, e alunos, colegas de várias turmas. E a sala enche-se.
A folha do alinhamento daquela tertúlia está colada atrás do biombo que separa o público dos artistas. Os artistas: “olha m’esta, não? Onde me vim meter” – penso várias vezes. “Posso fugir?” – pergunto, na brincadeira, a alguns colegas que também se preparam para atuar. Na verdade, é o que me apetece neste momento. Fugir.
Nisto, o João, muito seguro e com um ar bem-disposto, chama-me: “ ‘Bora Valente!”. Vamos para uma das salas de material da cantina para ensaiar. O professor de música acompanha-nos. É o ensaio geral. O João afina a guitarra, toca os primeiros acordes, o professor dá sinal e eu, de olhos fechados, canto a música toda. Desafino qualquer coisa, claro! Não sou nenhuma Sara Tavares. Mas confesso que ali, mesmo com o som de fundo do público, que se ouve à distância, e que poderia atrapalhar, me sinto bem.
De repente, ouvem-se aplausos. Ao fundo, o Bruno e a Joana, os apresentadores, cheios de pinta, dão início ao espetáculo desta sexta feira, último dia da semana aberta da escola. Último evento do cartaz de atividades.
Começam as atuações. As luzes apagam-se. Fica só uma, dirigida para o palco improvisado. Os nervos voltam.
Somos os terceiros.
Num instante, ouço os nossos nomes. “É agora”, penso. “Não há volta a dar”. Vamos para o palco, enquanto se batem palmas. Alguns gritos de apoio ouvem-se pelo meio. Com aquela luz a apontar para nós não consigo ver… quem me está a ver. “Melhor assim”, penso.
Tal como no ensaio geral, o João toca os primeiros acordes. Chega o momento e … lá vou eu! Canto e sinto a música: “Espreito por uma porta encostada. Sigo as pegadas de luz…”.
Embalada, ganho ainda mais confiança, à medida que o público acompanha a canção com palmas. Respiro fundo quando o João começa a cantar a parte dele, que me permite ganhar novo fôlego para voltar a cantar. Está tudo animado naquela sala.
Dali até ao fim… é um instante!
“E nesse instante em que o silêncio é o bater do coração. Fecha-se a porta. Para o relógio. As vizinhas recolhem”…! Respiro fundo, de novo.
“Espreito por uma porta encostada, sigo as pegadas de luz. Peço ao gato ‘xiu’ para não me denunciar…”.
E, no fim, mais aplausos. A malta toda de pé.
Naquele instante final, senti a cara a arder. De vergonha e entusiasmo, ao mesmo tempo. “Que coragem, a minha”, pensei. “Já está”.
Correu bem? Acho que sim! Desafinei? Muito, admito! Mas foi giro. E lembro-me que, o resto daquela noite, quase no final do meu 10º ano, foi assim, cheia de boas surpresas e bastante animada.
Que saudades…
Sim, ”fiz” de Sara Tavares. Sempre que ouço na rádio este “Solta-se o beijo”, da “Ala dos Namorados”, recordo-me daquele serão. E sorrio. No carro. Bom, não é?
Comments