Há Pataias
- Miguel Ângelo Santos
- 23 de nov. de 2018
- 4 min de leitura
É a conceção do mito que oferece ao mesmo a capacidade de legitimar qualquer coisa. Fosse o tema qualquer coisa e estaríamos bem, o tema é simples e fácil de relatar, é a tentativa de mitificação do que até então tem tido um processo contrário, apesar dos grandes esforços feitos por algumas pessoas em particular e esforços esses que não merecem ser esquecidos.
A primeira coisa a fazer é estabelecer o que é o mito, o mito remete para as sociedades clássicas, mais propriamente a sociedade grega onde o mito tinha, por alto, a mesma função que hoje terá a bíblia em muitos de nós, mas num desejo de manter o texto laico prefiro fazer uma mitificação dum lugar/objeto e não uma cristianização. Há os mais lindos mitos gregos, desde Hércules, Teseu, Sísifo, Ícaros e etc…
Pataias existe e isso é um facto empírico, nem que seja que esse factor empírico seja a tabuleta que vimos a entrada desta vila, mas Pataias parece não querer que essa existência seja marcada por um identidade que ainda hoje lhe está tão presente, pois olhando para o passado e para o presente percebemos que os trabalhos mudaram, as indústrias mudaram, mas mesmo assim a maior parte da população ainda trabalha no setor industrial, claro que se poderá dizer que muitos trabalham fora de Pataias, mas muitos trabalham no terreno que pertence á junta de freguesia de Pataias e Martingança.
Mas qual é o símbolo de Pataias? De acordo com o nosso brasão temos três símbolos. Um é aquele que ocupa o plano central da composição do brasão heráldico, o forno de cal. Outro é um que está num plano mais inferior que é a nossa mata – mata de Pataias. O último elemento é um elemento aquático que na minha opinião se remete para a Lagoa de Pataias.
Mas porquê a necessidade de mitificar Pataias? Têm existido por parte do historiador Tiago Inácio uma pesquisa de grande nível, metódica e objetiva de dar aos pataienses aquilo que é de facto deles, a sua história. É neste momento sinto que há uma necessidade de fazer um trabalho menos objetivo. O forno de cal tem tudo para ser o nosso herói grego traduzido á condição pataiense. Primeiro o forno de cal foi um agente importante para a fixação populacional e para a economia local, de acordo com o historiador Tiago Inácio a “nossa” cal, teria chegado ás ilhas, ás ilhas meus senhores! Pataias comprimida num material terá saído do seu terreno e agora lá existirá numa habitação qualquer um vestígio pataiense. Mas os fornos de cal no início da sua história são Hércules. Hércules teve que cumprir 12 trabalhos, no caso dos fornos de cal é difícil descrever quantos trabalhos terá este mesmo desenvolvido, mas é claro que conseguiu desenvolver coisas como o aumento demográfico, estimular uma economia local e acima de tudo começar a criar uma vila.
O “nosso” Forno de cal também fora o nosso Teseu, o mito de Teseu levado numa interpretação política pode ser interpretado sobre um novo signo, esse signo é a libertação ateniense do controlo da cidade-estado de Creta. Ora num sentido mais abstrato, o forno de cal é o nosso Teseu porque é o forno de cal que nos liberta de sermos mais um espaço meramente geográfico, dando assim à vila (Pataias) uma coisa importante, identidade. Aqui entra o mito de Sísifo, pois há medida que o lei temporal se vai valendo, há pessoas que atingem o outro mundo e há outras que se interessam por outras atividades devido á democratização da sociedade, e se Sísifo acarta a pedra e a mesma sempre que chega ao topo desce, o mesmo acontecia decerta maneira com o forno de cal, é depois da “criação” duma vila e da entrega da sua identidade que o mesmo tentava acartar este peso e manter-se acesso nesta vila. Havia quem ajudasse neste processo e fosse alimentando a vida do forno com o máximo de combustão que podiam, mas em 1995 acontece o fatídico e por fim a pedra que o forno de cal transportava ás suas costas rebola cá para baixo e o mesmo cansado, velho, e já sem força decide então deixar a pedra lá em baixo. E quantos anos esteve a pedra lá em baixo, sendo que de vez em quando, aqui e ali e já sobre o campo da memória e não sobre o campo funcional que o mesmo ia tentado reerguer-se, mas a força que se ganhava também se perdia, nem que fosse porque alguns dos seus iguais estavam a desaparecer, quer do campo da memória como no terreno. E é aqui que o nosso forno de cal se transforma num dos mais belos Ícaros do nosso tempo, a níveis estéticos nada pode fazer contra o Ícaros de Picasso, mas não é por isso que no seu nível mitológico não possa ser um verdadeiro concorrente de peso. Diz o mito de Ícaros que a ousadia é perigosa, pois ao tentar chegar ao sol o mesmo queimou as asas e terá caído no meio do mar, desamparado. Pois bem o forno de cal terá tentado dar tudo ao sítio que o abraçou e quando tentava cada vez mais crescer terá caído, mas preferia este que tivesse caído no mar, o nosso herói pataiense jaz ali, não num pedaço de terra, mas no esquecimento, não fossem algumas figuras pataienses e hoje, caros leitores, não havia herói pataiense, estaríamos aqui que nem filhos órfãos.
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