A Peregrinação
- Ana Valente
- 17 de fev. de 2019
- 3 min de leitura
São dez. Dez jovens. Amigos desde sempre.
Falta pouco para o nascer do sol. Seguem em fila, na berma da estrada. Cada um leva uma lanterna na mão e o colete refletor vestido. As regras são claras e cumprem-nas desde a primeira peregrinação. Há cinco anos que caminham juntos até Fátima. São mais de 100 quilómetros em quatro dias.
O Pedro é o primeiro da fila. Em último, a fazer de “carro vassoura” (a expressão vem do ciclismo, mas é comum nestas lides) está a Rita. Ou seja, ninguém fica para trás. E àquela hora ainda está tudo fresco, com poucas dores, sem grandes cansaços. São os primeiros metros do terceiro dia de caminhada.
Quando o sol nasce entram na cidade. Nesta altura já estão mais dispersos. Com o tempo a passar, e tantos quilómetros nos pés, a velocidade vai se adaptando à resistência de cada um, ao longo do dia. Mas todos sabem que o ponto de encontro é no castelo. É lá que esperam uns pelos outros.
- Que vista maravilhosa. – diz o Pedro.
- É sempre reconfortante chegar aqui. – responde a Filomena.
Os dois amigos estão sentados num pequeno muro no topo da Rua do Castelo. Avistam a Serra de Aire e Candeeiros, o centro da cidade e o mosteiro. Bebem água, trocam uns rebuçados e uns chocolates, para repor a energia, enquanto aguardam pelo resto do grupo. Apanham o sol daquela manhã amena de março.
Chegam depois a Paula, o Igor, a Joana e a Catarina, a conversar de forma entusiasta. O Fábio chega sozinho de auscultadores nos ouvidos, ligados ao telemóvel, a ouvir música. O Manel vem a seguir de cajado na mão.
No fim, a Rita, a que parte sempre em último lugar, não está sozinha. Está de braço dado com a Filipa. A Pipa, como a gosta de ser chamada, vem apoiada na prima, porque as dores no joelho dificultam a subida até ali. Quando chegam ao ponto de encontro, estão de sorriso aberto. Mais uma etapa ganha, apesar das dificuldades.
- Já tenho tudo pronto para o almoço. Basta descerem. Quando chegarem lá abaixo já está servido o vosso repasto. – diz o Carlos com um ar simpático.
É ele quem conduz o carro de apoio. Desde o primeiro ano. Faz de tudo: orienta, motiva, alegra e alimenta. É peça chave para a caminhada.
Ao ouvir isto, descem todos. Agora juntos. A carrinha avança e chega à zona do mosteiro mais rápido do que eles. Carlos estaciona-a no parque de estacionamento lateral ao monumento. Ao lado estão umas sombras.
- É mesmo aqui que vou montar a mesa e as cadeiras. – decidiu Carlos de forma assertiva.
Pão, pedaços de franco assado, alface, tomates pequeninos, batatas fritas, sumos naturais, água e muita fruta. É o que partilham durante quase uma hora e meia. Entre a refeição e um sono rápido, há tempo para massagens nas pernas e cuidados com as bolhas dos pés e, ainda, uma visita ao Mosteiro de Alcobaça.
O que acabo de vos contar é ficcionado, admito. Mas não é tudo, porque estes jovens existem mesmo. Assisti a estes momentos de pausa, há uns dias, ali, em frente ao nosso Mosteiro. Deixou-me feliz e orgulhosa por eles, confesso também. Não os interrompi. Tomei nota do que vi e imaginei o resto. E este resto é pouco. Muito pouco. Haveria muito mais para contar. É apenas uma etapa das muitas que compõem este exercício de caminhada.
Escrever sobre esta caminhada (repito) tem, no entanto, uma inspiração muito particular: a minha própria experiência enquanto peregrina (que em breve vão conhecer melhor) e, principalmente, a resistência e o compromisso de dois primos, de quem gosto muito, e que tentam ir a Fátima, pelo menos, uma vez por mês - e muitas dessas visitas são feitas a pé, quase sempre a partir da aldeia dos Moleanos.
As peregrinações até Fátima são um marco da nossa região, do nosso concelho. Quem vem de fora e passa por Alcobaça, vem do lado da costa. Faz o chamado Caminho do Mar que parte do Estoril, passa por Sintra, Mafra, Óbidos e Alcobaça.
Mas nesta peregrinação, seja ela motivada pela espiritualidade, pela simples descoberta da natureza, pela pura superação interior ou por outra razão qualquer, são muitos os caminhos à escolha. Cada um procura o seu…
Até ‘pra semana.
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